HIDROGRAFIA
São belos os nomes dos rios na velha Europa. Sena, Danúbio, Reno são palavras cheias de suaves inflexões, lembrando em tardes de oiro fino, frutos e folhas caindo, a tristeza outoniça dos chorões. O Guadalquivir carrega em si espadas de rendilhada prata, como o Genil ao sol-poente, o sangue de Federico. E quantas histórias de terror contam as escuras águas do Reno ? Quantas sagas de epopeia não arrasta consigo a corrente do Dniepre. Quantos sonhos destroçados navegam com detritos à superfície do Sena ? Belos como os rios são os nomes dos rios na velha Europa. Desvendada, sua beleza flui sem mistérios. Todo o mistério reside nos rios da minha terra. Toda a beleza secreta e virgem que resta está nos rios da minha terra. Toda a poesia oculta é a dos rios da minha terra. Os que, cansados, sabem todas as histórias do Sena e do Guadalquivir, do Reno e do Volga ignoram a poesia corográfica dos rios da minha terra. Vinde acordar as grossas veias da água grande ! Vinde aprender os nomes de Uanéteze, Mazimechopes, Massintonto e Sábiè. Vinde escutar a música latejante das ignoradas veias que mergulham no vasto, coleante corpo do Incomáti, o nome melodioso dos rios da minha terra, a estranha beleza das suas histórias e da suas gentes altivas sofrendo e lutando nas margens do pão e da fome. Vinde ouvir, entender o ritmo gigante do Zambeze, colosso sonolento da planura, traiçoeiro no bote como o jacaré, acordando da profundeza epidérmica do sono para galgar os matos como cem mil búfalos estrondeantes de verde espuma demoníaca espalhando o imenso rosto líquido da morte. Vede as margens barrentas, carnudas do Púngoè, a tristeza doce do Umbelúzi, à hora de anoitecer. Ouvi então o Lúrio, cujo nome evoca o lírio europeu, e que é lírico em seu manso murmúrio. Ou o Rovuma acordando exóticas lembranças de velhos, coloniais navios de roda revolvendo águas pardacentas, rolando memórias islâmicas de tráfico e escravatura. Ah, ouvidos e olhos cansados de desolação e de europas sem mistério, provai a incógnita saborosa deste fruto verde, destes espaços frondosos ou abertos, destes rios diferentes de nomes diferentes, rios antigos de África nova, correndo em seu ventre ubérrimo e luxuriante. Rios, seiva, sangue ebuliente, veias, artérias vivificadas dessa virgem morena e impaciente, minha terra, nossa Mãe !
Rui Knopfli
in Reino Submarino (1962) |
xitizap # 13 |
a opção Kangaroo |
mar adentro ... |
uns metros ao lado |
elektro papos |
sos zimbabwe |
hidrografia - rui knopfli |
links & downloads |