a opção Kangaroo
Sob o brilho 5 estrelas de um hotel em Maputo, a 3 de junho 2004 a Corridor Sands Limitada (CSL) apresentou publicamente um novo EIA (Estudo de Impacto Ambiental) sobre as suas opções de transporte dos minerais a extrair das minas de Chibuto.
Durante cerca de duas horas, quarenta e sete pessoas ouviram atentamente uma série de dissertações que tentanvam suavizar a longa série de impactos negativos da novíssima Opção Kangaroo - uma Facilidade de Exportação do Chongoene agora proposta pelo mais recente dono da Corridor Sands, a australiana Western Mining Corporation (Resources).
Invariavelmente, para cada um dos gravíssimos problemas que criarão, eles têm sempre uma proposta de mitigação. Na verdade, quer se fale da destruição sistémica de dunas, das contaminações marinhas, dos ventos soprando poeiras titaníferas, dos derrames de antracites e/ou de combustíveis pesados, dos ruídos de escavadoras e camiões – e mesmo até de pessoas incómodas – a Corridor Sands tem sempre um paliativo na cartola ... que outros terão que gerir no futuro.
Imperialmente arrogante, a Corridor Sands aproveitou a reunião para fazer notar que de nada valerá questionar o facto de esta marsupial penetração marítima ter um reduzido prazo de validade. Mesmo que os seus próprios estudos demonstrem que, a médio-longo prazo, a escala da mineração exigirá outras soluções de escoamento e sempre em direcção ao Porto Matola – ou via nova estrada Norte-Sul, ou por caminhos de ferro.
Tudo isto porque, para a Corridor Sands, as novas opções de transporte haviam sido ditadas por suas “razões comerciais”. E, ou era assim, ou então ...
Entretanto, recorde-se que ninguém questiona a mineração das areias pesadas no Chibuto nem a volumosa bateria de fornos eléctricos induzidos, sendo praticamente consensual a ideia que o projecto pode ser potente ... e vastamente multiplicador.
De facto, a única coisa que por agora está em causa é a nova opção de transporte dos produtos titaníferos do Chibuto através de saltos de Kangaroo que destruirão a costa e dunas de Gaza. Uma opção que causa sérias interrogações – e uma mão-cheia de perplexidades.
Importa lembrar que foi já no período pós-cheias seculares do Limpopo (2000) - e portanto na posse de fresquíssimos registos das linhas de cheias - que a Corridor Sands e os seus consultores Coastal & Environmental Services, para além do MICOA (Ministério para a Coordenação Ambiental), haviam chegado à conclusão que a melhor opção para o escoamento mineral seria uma ligação ferroviária Chibuto- Matola via grande linha CFM do Limpopo (uma linha férrea que acaba de beneficiar de investimentos de modernização superiores a 50 milhões USD).
Dado o evidente impacto das cheias dos Rios Limpopo e Changane, a conexão à linha férrea na Aldeia da Barragem foi então seleccionada entre três hipóteses de ramal ferroviário: até ao Lionde, Chockwe ou Aldeia da Barragem. Segundo os estudos da Corridor Sands, a conexão na Aldeia da Barragem seria a alternativa “com menores problemas de engenharia” , e previa a construção de um aqueduto na travessia do Rio Changane, para além de adequadas defesas num troço crítico de 27 km através das planícies inundáveis por esse mesmo rio. Todo o resto do percurso de 86.5 km não apresentava dificuldades especiais já que situado acima da linha de cheias de probabilidade 1/50 anos.
Na altura, a importância desta conexão ferroviária era mais que consensual e a hipótese de um comboio servindo o desenvolvimento socio-económico de toda a zona emergia como um imperativo – para toda a gente, incluindo o governo e a Corridor Sands na altura controlada pela Southern Mining Corporation (SMC da África do Sul).
Mas eis que, imediatamente após a entrada em cena da australiana Western Mining Corporation (Resources), aos mesmíssimos consultores da Corridor Sands é encomendado uma revisão das opções de transporte. Estava-se agora em meados de 2003 e, estranhamente, a diligente Coastal & Environmental Services passou então a contradizer tudo o que afirmou durante mais de 3 anos. Candidamente, começava então o frenético marketing da opção Kangaroo.
Tal como referido pelo director comercial da Corridor Sands na reunião de 3 Junho 2004, esta pirueta conceptual ficou a dever-se a “razões puramente comerciais” – nomeadamente ao facto de, para os industrialistas, a opção pelas Docas no Chongoene ser muito mais barata, e de permitir também evitar o interface com terceiros - sobretudo com os CFM.
Contudo, e embora seja óbvio que é de facto mais expedito destruir dunas e mares, tudo indica que esta visão enferma de um erro de base. Pela simples razão de que os estudos da Corridor Sands não internalizam uma fundamental parte dos custos sociais, económicos e ambientais da opção Kangaroo, e ignoram absolutamente os benefícios estruturantes da alternativa ferroviária.
Como é natural, a correcta internalização de custos e benefícios nunca foi política de quem despreza éticas corporativas – mas ela é certamente o dever de quem negoceia em nome de um Estado.
Por isso aqui me permito discordar do Ministro dos Recursos Minerais e Energia que, durante esta reunião pública de 3 Junho 2004 afirmou: “ embora pessoalmente prefira a opção ferroviária, tal como o Governo ... há que avançar rapidamente com o projecto.”
E discordo porque, desde logo, a pressa raramente é boa conselheira – em particular à escala destes projectos. Nomeadamente quando há mais que tempo para se delinear e construir a melhor solução para todos. E, já agora, importa relembrar que quer os industrialistas quer o governo despenderam mais de 4 anos a promover e sedimentar a opção ferroviária Chibuto-Matola.
Uma opção que, num ápice, passou a ser descartada em favor de uma alternativa que nem sequer serve a médio-longo prazo tal como o demonstram os estudos estratégicos da própra Corridor Sands.
Mas, sobretudo, discordo do Snr. Ministro porque, em minha opinião, será sempre atribuição do governo de um Estado levar as suas preferencias estratégicas a bom cabo – mesmo que para isso tenha que investir capitais ... ou negociar contrapartidas.
Daí que me pareça que, antes mesmo que o MICOA e o CONDES (Conselho de Desenvolvimento) emitam a necessária licença para a opção Kangaroo, se deva obrigar a Corridor Sands a expor – preto no branco – como foram internalizados os vários custos e benefícios das duas opções em confronto. Uma questão a que a Corridor Sands se recusou a responder aquando da reunião pública de 3 Junho de 2004.
No mínimo porque, em meu entender, só assim se poderão analisar os méritos e deméritos das várias opções e avaliar o impacto de uma quasi-irrelevante diferença de custos neste quadro de 800 milhões USD. E também porque só assim se poderá eventualmente desnudar o que leva a Corridor Sands a pretender degradar irreversivelmente os mares e costas de Chongoene – enterrando o futuro do turismo e as aspirações de seculares comunidades. É que o argumento de imperiais vantagens comerciais de curta duração não colhe.
josé lopes
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