Entretanto, vale a pena aqui lembrar que, por essas alturas, uma outra dura batalha se travava pela protecção ambiental.
O palco era agora a Matola, e o script do filme focava uma tentativa de incineração de pesticidas nos fornos da fábrica de Cimentos da Matola - o governo moçambicano, a Danida e os residentes da zona eram os actores principais.
A rodagem do filme durou três duros anos, e as imagens finais sugeriam um happy-end. Na verdade, a 29 Setembro 2000 a cena mostrava o governo e a Danida em trôpego recuo perante as massas da Matola e a imensa pressão solidária, nomeadamente da Livaningo em coligação internacional.
O projecto crematório CIM-Matola era finalmente abandonado, incluindo a rejeição da opção DANIDA - uma opção que sugeria investimentos numa estação de tratamento usando os fornos cimenteiros.
Uma opção que como o demonstravam documentos revelados em 1998 não se eximiria a importar lixos sob pretexto de economias de escala - em descarada contravenção de todas as civilizadas convenções [Basileia, Bamako, Lomé IV (art 39)] ... e da mais básica eco-ética.
Mas importa notar que, estranhamente, o filme da Matola havia começado com imagens de governos e Danidas atarefados em esconder agendas.
E o enredo adensava-se em mistérios porque estas starlettes, apesar de principescamente pagas, só apareciam para gaguejar trapalhices, ou se quedarem em intrigantes mutismos … como se o segredo fosse a alma dos seus negócios.
Ao terceiro actor parecia destinado o papel de idiota do filme. Isto porque aos habitantes da Matola/Maputo ninguém dizia nada quanto aos perigos da incineração via fornos cimenteiros. Ninguém lhes dizia nada sobre os mais tóxicos poluentes orgânicos persistentes (POPs) que do processo resultariam - umas inevitáveis dioxinas e furanos que certamente encontrariam abrigo nos pulmões das poeiras, e no cimento produzido.
Tragicamente, tudo indicava que a Danida não havia aprendido a lição de um outro seu filme de exportação de incineradores caducos - e novamente para países pobres.
O ano era agora o de 1986, e tal filme era então rodado nos subúrbios norte de Nova Deli.
Enredada em incompetência e alegados interesses na produção, a DANIDA havia contratado um mau pedaço da engenharia dinamarquesa para instalar um incinerador de resíduos na Índia. Por bizarra perversão, os reputados consultores acabaram por parir um aborto, o que mesmo assim não impediu que a DANIDA o financiasse com um softíssimo empréstimo de 10 milhões USD.
Concluída a obra de engenharia tóxica, os fornos trabalharam apenas durante uma semana - 7 dias. E por duas razões: primeiro porque o lixo que sobrava da pobreza era naturalmente molhado ... cheio de lágrimas. Segundo porque, e por mais que o incinerador DANIDA clamasse por melhores lixos, a Índia não queria violar tratados e éticas, sobretudo quanto à importação de lixos.
Mas, por um minuto, regresse-se agora ao filme Matola, onde as imagens de Outubro 1998 nos dão o prazer de recordar Carlos Cardoso.
Severamente indignado, ele questionava o governo moçambicano quanto ao import/export de lixos, a propósito de autorizações governamentais que licenciavam um obscuro alvará da International Waste Group (IWG). Semanas antes, o Greenpeace havia publicado cópias das autorizações de negócio emitidas pelo governo em descarado golpe bio-ético, e no viés de múltiplos tratados internacionais.
As autorizações ministeriais haviam sido emitidas em Fevereiro 1996 e, nem três meses haviam passado, quando o Greenpeace soube delas.
Curiosamente, tudo aconteceu num cocktail de ambientalistas na RSA.
Em ambiente workshop SADC, incidentalmente dedicado ao banimento do tráfico de resíduos, um senior moçambicano deixava saber que o governo preparava um projecto incinerador em Moçambique. Um projecto que, devido a economias de escala, para além da merda local, faria igualmente recurso à importação de lixos internacionais - nesse sentido aliás, teriam já sido oficialmente contactados quatro países.
Ocorre que, dois anos depois do cocktail na África do Sul, e em plena batalha Matola, o Greenpeace sente-se na obrigação de publicar as autorizações de 96. Para eles, e mesmo que elas não dissessem respeito àquele filme, ou pelo menos imediatamente, as autorizações ministeriais constituíam boa prova da oficialidade de uma hedionda hipótese: a do tráfico tóxico.
E, para uma velha puta como o Greenpeace, a pressão pública tinha poucos mistérios - sobretudo quando se enfrentavam absurdas intransigências como as que se exibiam na batalha da Matola.
Curiosamente, e como se viria a demonstrar, presciência e canjas de galinha nunca fizeram mal a ninguém...
Com cópias das autorizações na mão, em Setembro 1998 os jornalistas e o mundo atento ao tráfico de tóxicos encostavam o governo e Danida à parede dos Cimentos Matola, e, do outro lado, o que as imagens registavam eram embaraçados desmentidos e patéticas indignações.
Poucas semanas depois, o filme incineração @ Matola era interrompido por um slide de Outubro 1998 que, sob fundo requiem, projectava a revogação da autorização MICOA (Ministério da Coordenação Ambiental).
Mas, em nota pé-de-slide a produção questionava-se:
e as outras autorizações, o que é feito delas ?
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