… mas, enquanto o poder judicial italiano se prestava a maquiavélicos corredores, a Camera dei Deputati preocupava-se em melhorar as defesas legais contra os vários crimes que assolavam Itália. E foi assim que, com imensa frontalidade, o parlamento se decidiu a desmontar o puzzle dos tóxicos quando, em Abril 1997, criou uma comissão de inquérito com o objectivo de investigar o ciclo de resíduos.

 

Entre os seus vários propósitos, a comissão de inquérito tinha como missão investigar a organizada ecomafia das rotas dos tóxicos, incluindo as possíveis conexões com o assassinato de Ilaria e Miran; a comissão Scalia trabalhou durante anos na investigação deste tentacular caso, e são muitos os relatórios interinos que pelo caminho foi publicando no website da Camera dei Deputati.

 

Até que, já indigesto de tráficos, o Honorável Massimo Scalia apresenta as conclusões da comissão inquérito a que presidia e, perante uma Itália enojada com a ecomafia, ele passa a ler um elucidante relatório de 84 páginas escalpelizando as rotas internacionais dos vários lixos. Munida de um manancial de evidências, a comissão Scalia desmontava meticulosamente várias teias do tráfico de resíduos, escórias radioactivas, drogas, armas, dinheiro sujo.

 

Esse era o tempo de 25 Outubro 2000.

 

E é na secção 7.3 que o relatório Scalia se debruça sobre as novas rotas deste hediondo tráfico.

 

Para vergonha minha, Moçambique é apontado como um novo destino dos traficantes de tóxicos a partir de 1997 num relatório que aponta rotas e técnicas de camuflagem do tráfico, e em que emergem empresas de cobertura dos despejos tóxicos - alegando autorizações ministeriais do governo moçambicano.

 

Como no caso de Boane aonde, após análise de fotografias aéreas, os parlamentares italianos concluíram, e com mediterrânea clareza, que a 35 km de Maputo uma concessão de 150 hectares estaria ao serviço dos lixeiros internacionais - a céu aberto e impune, uma rede de traficantes descarregava resíduos tóxicos sob o pretexto técnico de que a operação visava restaurar paisagens numa antiga zona extractiva.

 

Todavia, e como sugeria a documentação disponível à comissão Scalia, ao invés de uma estação de tratamento de lixos, em Boane o que emergia era um acordo hediondo: um acordo subscrito entre uma empresa sediada em Maputo (parceira de um grupo argentino desde 1996) e uma empresa italiana.

 

No caso, o objecto da parceria seria o comércio internacional de perigosos resíduos para despejo em Boane.

Inclusivamente, a comissão italiana concluía que, nesse acordo, e por forma a que se acautelasse uma inspecção-surpresa, os traficantes teriam servido uma salada de lixos camuflando alguns de elevada toxicidade ao mesmo tempo que, em nota de rigor, o relatório Scalia referia a falsificação de documentos de comércio e navegação, embora haja quem diga que isto era tanga para aldrabar os gajos dos amendoins.

 

Indignada, e muitíssimo preocupada, à comissão parlamentar italiana só lhe restava clamar para que se prestasse mais atenção à conexão destes tráficos com outras actividades criminosas - lavagem de dinheiro, armas, drogas ... you name it !

 

Mas note-se entretanto que, à data deste relatório, a comissão Scalia não pôde concluir se, sim ou não, os primeiros lixos descarregados em Boane seriam originários de Itália, pela simples razão de que, alegadamente, por ocasião da recolha de evidências já em Boane se amontoava muita merda vinda da Coreia, de Taiwan e dos USA. No entanto, e por muito que o polvo se camuflasse, o inquérito Scalia podia concluir que, no caso Boane, o mais tóxico dos tentáculos apontava para uma conexão argentina, na circunstancia associada a dois notórios wheeler-dealers do tráfico e crime internacional.

 

 

Entretanto em Itália

 

... tenebrosas sombras teimavam em eclipsar o caso Ilaria Alpi e Miran Hrovatin e, segundo a Ordem dos Jornalistas italiana, o processo judicial permanecia gravemente ferido por manipulações, incluindo testemunhos mutantes e sonegação de segredos por parte das secretas. Contudo, para o conselho lombardo da Ordem, tal como para os terráqueos em geral, a questão dos mandantes permanecia obscuramente incompleta.

 

Felizmente, a Camera dei Deputati não se deixou atemorizar por eclipses processuais e decidiu-se pelo proseguimento das investigações - tal como alguns reputados media, como por exemplo o semanário católico italiano Famiglia Cristiana que desde 1998 vinha apresentando novas e importantes revelações sobre o caso Ilaria e Miran - nomeadamente uma entrevista com um arrependido do tráfico de tóxicos que, em Dezembro 2000, revelava novos nomes e métodos da internacional Ecomafia.

 

Mais tarde, e certamente após aturada ponderação das investigações dos media, em conferência de imprensa de Março 2001 Massimo Scalia esclarecia o seguinte:

 

"Obtivemos em particular nova informação a respeito do despejo de italianos e perigosos resíduos na Somália, para além de sinais que indicam Moçambique como novo destino do tráfico ilícito de resíduos, não só italianos.

... E no que em particular diz respeito à Somália, nas próximas semanas continuaremos a nossa actividade para avaliar como tal tráfico possa relacionar-se com o homicídio de Ilaria Alpi e Miran Hrovatin."

 

Importa notar que por esta altura, a comissão Scalia ainda não havia podido aceder a peças cruciais do processo já que, sob pretexto da segurança de Estado, as secretas insistiam em esconder documentos e alguns nomes sonantes.

 

Mas nada detinha a solidariedade para com Ilaria e Miran, e com o que restava de democracia, e a pressão foi tal que, a 23 Setembro 2002, Franco Frattini, o Ministro de tutela dos serviços de informação e segurança, finalmente ordenava a entrega à Procuradoria de Roma de todos os documentos SISMI relativos ao caso.

 

Giorgio e Luciana Alpi, os pais de Ilaria, de imediato agradeceram o gesto governamental, e admitiam que, com essas novas evidências, talvez a justiça pudesse dar um outro salto quântico.

 

E, para angústia dos criminosos, o caso Ilaria Alpi e Miran Hrovatin permanecia aberto, tal como aliás o caso do tráfico de tóxicos em Boane / Moçambique

 

 

continua (click & leia mais)

o relatório Massimo Scalia

… e Moçambique

 

xitizap # 1

 

março 20, 2003

 

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descargas de tóxicos

em antigas pedreiras

 

 

posteriormente

os lixos  são escondidos sob cobertura de terras locais