os Gregos

 

 

surgem na História como povos invasores que, vindos do Norte da Europa, se estabeleceram nas terras entre os mares Jónico e Egeu por volta do século XI a.C.. Conta-se que mostravam um insaciável desejo de aprender com os outros povos, em particular os egípcios e babilônios, numa permanente procura de superação intelectual.

 

Pouco se sabe das matemáticas gregas anteriores ao século VI a.C. e não é pequeno o ruído histórico que afecta a apreensão desse período. Sabe-se no entanto que os gregos se foram movendo de uma visão em que deuses e divinos poderes ordenariam o Universo, em direcção a uma concepção bastante menos sobrenatural, e progressivamente regida por hiper-racionalismos, tomando o mundo como um sistema de elementos, de matemáticas e de ciências naturais.

 

 

Várias são as fontes sugerindo que Pitágoras terá nascido no século VI a.C. na ilha Samos junto a Mileto – uma ilha do Mar Egeu afamada pelo templo de Hera e excelentes vinhos. Conta-se que Pitágoras era homem de excêntricas crenças e que acreditava ter reencarnado a alma de Euphorbus, um herói troiano. Conta-se também que, como líder de uma seita de putativos sábios, Pitágoras impunha estritas regras aos seus seguidores – por exemplo, só a comida vegetariana lhes era permitida, à excepção do feijão que causava flatulência e se parecia com genitália, e, quanto a sexo, a actividade só poderia ser praticada durante o Inverno; se assim não fosse, a higiene das almas correria perigos indizíveis.

 

Os Gregos, que haviam herdado o seu sistema numérico dos geómetras egípcios, recorriam a elegantes explanações geométricas na demonstração dos teoremas matemáticos e privilegiavam a relação entre os números e as formas (os números ao quadrado, os números triplos, etc.) numa incessante busca da suprema relação matemática que explicaria a construção do Universo: o ratio de ouro.

 

Naturalmente, o símbolo místico do culto pitagórico era um número-forma, o pentagrama, uma estrela de cinco pontas susceptível de auto-reprodução, mas que  encerrava também muitos outras riquezas já que a figura parecia ser regulada por uma convergência em torno de ɸ = 1,618 -  um ratio que era igualmente evidenciado nas arquitecturas naturais mais sofisticadas como a concha nautilus, a casca do ananás e as pétalas das mais sublimes flores.

 

 

Pitágoras, que nas escolas modernas ficou famoso através de um teorema que ele não foi o primeiro a descobrir, entre muitos outros feitos deverá ser creditado como o génio que criou a escala musical, uma construção matemática a que ele chegou quando estudava o comportamento das cordas usando uma caixa com uma corda apensa como o seu instrumento. E desde então, para ele e para muitos, tocar música passaria a ser essencialmente um acto matemático, sendo que a harmonia que Pitágoras detectava ao segmentar cordas não podia senão pressagiar a sinfonia de um universo embalado ao som de música celestial.

 

Para Pitágoras, a música, a física, e o universo ele próprio, não passavam de harmonias determinadas por uma divina administração das proporções. E foi por esta via que ele estabeleceu o seu modelo planetário, de raiz geocêntrica: a Terra estaria no centro do Universo, e o Sol a Lua e os planetas rodariam em torno da Terra ao longo de esferas cujas dimensões eram determinadas pela ordem e beleza divinas. As estrelas seriam pontos de luz colados à superfície da última esfera e, para além dessa esfera, nada mais existiria. Para Pitágoras, o Universo tinha um limite, e Deus não o havia criado a partir do nada pelo que o infinito e o vazio não tinham permissão filosófica. O zero e o infinito eram assim matematicamente proibidos, porque filosoficamente inexistentes.

 

À medida que tais esferas astrais se moviam empurradas por anjos divinos, Pitágoras ouvia uma música celestial – os planetas exteriores (Júpiter e Saturno), porque se moviam mais rapidamente, produziam notas mais altas enquanto que os planetas interiores, como a Lua, Mercúrio e Vénus, produziam notas musicais mais baixas num bailado harmónico regido por uma orquestra seguindo a matemática pauta do ratio de ouro.

 

Contudo, um simples cálculo pôs em perigo esta orquestra universal.

 

Na verdade, quando os pitagóricos pretenderam medir a diagonal de um quadrado cujos lados eram iguais a 1, constataram uma presença diabólica – o número irracional (a raiz quadrada de 2). Mais ainda, os pitagóricos acabaram mesmo por concluir que o ratio de ouro era, ele próprio, um número irracional.

 

A sua construção harmónica do universo era assim posta em causa por um diabo em forma de número irracional e a seita pitagórica foi então instruída a fazer disso um segredo. Quando Hippasus de Metapontum, amargurado em sua ética matemática, divulgou o segredo ao exterior, a seita baniu-o, e conta-se que afogado terá sido o seu fim.

 

O segredo que Hippasus revelou abalava profundamente o edifício conceptual pitagórico mas, ao invés de o admitirem, os Gregos decidiram tratar o número irracional como uma anomalia e, posteriormente, só com muita relutância aceitaram integrá-lo no universo dos seus números.

 

Embora Pitágoras tivesse resistido ao número irracional, conta-se que ele acabou por não resistir aos feijões.

 

Um dia, ao fugir dos seus inimigos que o consideravam um intolerável fundamentalista, Pitágoras recusou-se a atravessar um campo de feijões com receio de ser contaminado. Especado à entrada da plantação de feijões, Pitágoras foi então rapidamente dominado pelos seus perseguidores e ele, que em vida havia sido um notável orador, acabou por ser fatalmente golpeado na garganta.

 

Morto o líder, a seita pitagórica foi completamente dizimada mas os seus ensinamentos tornar-se-iam a base de uma das mais importantes filosofias da história: a doutrina aristotélica que regulou a filosofia ocidental durante mais de dois mil anos. Uma doutrina com a qual a matemática viria a ter insanáveis e cruéis querelas.

 

Tales de Miletus (c. 624-584 a.C.) é universalmente reverenciado como uma das mais eminentes personalidades pré-pitagóricas, e terá sido ele o primeiro matemático grego a demonstrar alguns teoremas geométricos pressagiando o sistema dedutivo euclidiano com 300 anos de antecedência.

 

E já nos media de 460 a.C., Herodutus, o grande historiador, menciona o facto de Tales de Miletus ter sido capaz de prever um eclipse do Sol na Ásia Menor.

 

Conta-se que, em certa época, Tales, de visita ao Egipto em missão de estudo das culturas estrangeiras, terá tido acesso a tabelas de observação de eclipses dos babilônios - tabelas com séries longas de pelo menos 150 anos e que já insinuavam o ciclo Saros. Conta-se ainda que, muito provavelmente, terá sido em resultado destas consultas que Tales foi capaz de prever o mais famoso eclipse dos tempos antigos.

 

Mas essa não foi certamente uma previsão conhecida por Lídios ou Medos porque, caso contrário, os dois exércitos da Ásia Menor não se teriam engajado em combate a 28 Maio 585 a.C., data em que ocorreu de facto um eclipse total do Sol, quando “o dia se tornou noite”.

 

A visão desse eclipse terá sido de tal modo impressionante que os chefes militares ordenaram a imediata cessação da batalha, assinando um tratado de paz selado com um duplo casamento entre famílias. E assim, por causa de um eclipse, terminava uma guerra de cinco anos entre Lídios e Medos.

 

Lamentavelmente, os detalhes quanto ao modo como Tales previu o famoso eclipse do Sol não sobreviveram. E tudo indica que o método de previsão só funcionou uma vez porque, daquilo que se conhece da história científica grega, não restaram posteriores registos comprovando a reutilização do método, com ou sem precisão.

 

Caso contrário, talvez os Atenienses pudessem ter sabido antecipar um outro dramático eclipse – no caso, um eclipse da Lua que para eles se provou trágico em 27 Agosto 413 a.C.

 

Isto porque, ao se prepararem para deslocar as suas forças militares, os soldados e marinheiros atenienses, estupefactos com um enigmático eclipse da Lua, foram acometidos de um presságio de tal forma mau que se recusaram a deixar a cidade.

 

Consultados os videntes, Nicias, o comandante das forças de Atenas, decidiu adiar a partida por um mês lunar – uma decisão que viria a dar enorme vantagem aos seus inimigos, os siracusanos. A frota e exército atenienses foram então completamente derrotados, e Nicias foi morto, num outro caso de erro na previsão de eclipses que, tal como anos antes na China, se revelou fatal para muitas cabeças.

 

Desta época se sabe também que, circa 450 a.C., Meton aperfeiçoou os calendários lunar, solar e o das estações, identificando um período de 235 meses lunares como ponto de hipotética sincronia calendar que serviria como um guia aproximado para a previsão de eclipses lunares numa mesma localidade geográfica.

 

No século IV a.C, Atenas era o incontornável centro do mundo intelectual mediterrânico de onde, a partir da Academia de Platão, e posteriormente do Lyceum de Aristóteles, irradiava o mais vibrante brilho dos centros de pesquisa e de ensino da matemática.

 

Recorde-se que, por esta altura, a teoria planetária grega era já dominada pela visão de Aristóteles (384-322 a.C.) com base numa teoria geocêntrica essencialmente de raiz pitagórica.

 

No seu tempo, Aristóteles, que havia sido tutor de Alexandre, o Grande, estabelecia que os planetas teriam um movimento perfeito de velocidade constante seguindo órbitas circulares em volta da Terra. Estabelecia ele também que qualquer discrepância entre observações e teoria poderia ser explicada por recurso à introdução de epiciclos – uma abstracção geométrica sua. Nesta concepção, um planeta não orbitaria em volta da Terra, mas antes seguiria um epiciclo, ou seja, uma órbita cujo centro se deslocava, ele sim, em redor do centro da Terra.

 

Mas seria Elementos, por Euclides (c. 325-265 a.C.), que acabaria indubitavelmente por se tornar o mais importante tratado das matemáticas gregas. Apesar da sua perene fama, pouco se sabe da vida de Euclides e nem se sabe mesmo onde terá nascido.

 

Segundo alguns registos, Euclides terá ensinado em Alexandria durante as dinastias ptolomaicas, altura em que o imperador lhe terá pedido que tentasse encurtar o modo de aprendizagem da geometria - ao que Euclides respondeu: mas, excelência, na geometria não há percursos só para imperadores.

 

Elementos é um tratado que está dividido em 13 livros, cobrindo tópicos que vão da geometria plana, à teoria dos números, passando pela teoria dos incomensuráveis e pela geometria dos sólidos. O tratado começa abruptamente com 23 definições, a que se seguem 5 postulados e 5 notações comuns.

 

A fama de Elementos por vezes eclipsa o facto de Euclides ter escrito outras obras em óptica, astronomia, mecânica e música mas, indubitavelmente, Elementos foi o tratado que viria a tornar-se o texto de referência para a geometria dos séculos seguintes.

 

E o tratado foi de tal forma esmagador que quase todos os trabalhos gregos que haviam previamente tratado a geometria viriam a tornar-se redundantes e incompletos, a ponto de não terem sobrevivido mediaticamente.

 

Tal como em todos os livros de texto, a maior parte de Elementos não constitui trabalho original, mas é a Euclides que se deve, sem dúvida, a colecção de múltiplas fontes de sabedoria anciã e a arquitectura de um sistema de teoremas e demonstrações postulando um modelo lógico e dedutivo.

 

Mas aqui também importa lembrar Hiparcus, o mais famoso dos astrónomos do período 190-120 a.C. - um matemático de Nicea (actual Turquia) que é considerado como o fundador da astronomia baseada em princípios trigonométricos.

 

Hiparcus utilizou a divisão do círculo em 360° como base da trigonometria e estabeleceu tabelas de cordas muito similares às utilizadas pelas matemáticas védicas da Índia - umas tabelas que lhe permitiam descrever a posição dos corpos celestes de forma muito precisa.

 

Lamentavelmente, apenas um seu trabalho menor sobreviveu e, tal como acabou por acontecer a muitos outros astrónomos da Grécia antiga, muita da sua obra viria a ser eclipsada pela de Claudius Ptolomeu. Infelizmente, não restam evidências quanto ao modo como Hipparcus terá chegado a visões heliocêntricas, mil e quinhentos anos de Copernicus.

 

Claudius Ptolomeu (c. 85-165 d.C.), que epitoma o conhecimento astronómico grego, viveu em Alexandria, cidade onde começou a fazer observações astronómicas em 26 Março 127 d.C., mais de 150 anos após o incêndio da Biblioteca de Alexandria.

 

Pouco se sabe da sua família e das exactas datas de seu nascimento e morte. Felizmente conhecem-se alguns dos seus escritos, dos quais o mais famoso é Syntaxis (A Colecção Matemática).

 

Nesta obra, Ptolomeu revela conhecer os detalhes da órbita da Lua, incluindo os seus pontos nodais, e mostra dispor de um sofisticado esquema de previsão de eclipses lunares e solares.

 

E de tal forma Syntaxis se tornou importante no mundo da sabedoria que, aquando da sua tradução para arábico, mais de sete séculos depois (c. 820 d.C.), à obra foi atribuído o nome al-Majisti (o Maior) - ou Almagest em tradução latina.

 

O Almagest começa com alguns preliminares de trigonometria e cordas, seguindo-se uma detalhada teoria do movimento do Sol.

 

Para Ptolomeu, o Sol faria uma órbita circular em volta da Terra mas, esta, a Terra, estaria ligeiramente afastada do centro da órbita ocupando um ponto a que ele chamava excêntrico. Concomitantemente, a sua teoria sobre o movimento da Lua baseava-se extensivamente na concepção de Hiparcus, embora Ptolomeu houvesse melhorado o seu modelo de epiciclo.

 

Contudo, a combinação dinâmica dos movimentos do Sol e da Lua permitia a Ptolomeu abordar melhor a questão dos eclipses.

 

No Almagest, para além de um extenso catálogo de mais de mil estrelas, Ptolomeu ousa conceptualizar as órbitas dos cinco planetas então conhecidos numa época em que, uma Terra orbitando o Sol, não era um conceito muito compatível com a filosofia e cosmologia contemporâneas.

 

Mas, para Ptolomeu, as matemáticas existiam apenas para “consagrar o fenómeno”, e não para o explicar. Daí que Ptolomeu considerasse tacticamente necessário combinar as poderosas exigências teológicas de Aristóteles com os factos realmente observáveis, mesmo que essas posições tivessem que ser confrontadas com claras evidências do contrário, tais como velocidades planetárias variáveis, retrogressões e variações no brilho aparente dos astros . Assim, para explicar tais discrepâncias Ptolomeu recorre a um engenhoso artifício através do equante, um ponto à mesma distância da Terra que o excêntrico, mas situado do lado oposto.

 

Seja como for, e complicados epiciclos à parte, retrospectivamente o que importa reter é que o Almagest foi, de longe, não só a mais bem sucedida tentativa de uma astronomia previsiva mas sobretudo o tratado que, durante os 1300 anos seguintes, assumiu o estatuto de indisputável Verdade astronómica.