A lição que a Eskom ainda não aprendeu

 

 

Num artigo de opinião publicado há dias, o CEO da Eskom (Brian Dames) debruçou-se sobre As lições que a Eskom aprendeu de forma penosa, e, candidamente, ele enunciou o que considera terem sido os principais erros que conduziram a Eskom à situação periclitante em que tem vivido desde 2007, designadamente: (i) insuficiente planeamento das mega-centrais a carvão de Medupi e Kusile e sua deficiente projecção geotécnica face às novas exigências sísmicas regionais, (ii) atrasos na tomada de decisões de investimento de novas fontes de geração, (iii) adjudicações fragmentadas e com perfis de risco impróprios em resultado da não adopção de contratos “chave-na-mão”, (iv) tomada de decisões de mega-investimentos sem que houvesse clareza quanto aos volumes, origens e modos de financiamento, o que remeteu a Eskom para níveis extremamente altos de dívida face a capitais próprios e à acelerada degradação das suas notações de crédito, (v) má avaliação das capacidades empreiteiras e do capital humano disponíveis na África do Sul e (vi) falta de colaboração com os sindicatos envolvidos na construção como forma de se compreender e mitigar as greves e agitações sociais que têm vindo a provocar prolongados atrasos nas obras.

 

Apesar de esta litania mais se assemelhar a um rol de banalidades - e Brian Dames refere mesmo que estas são lições que qualquer manual de gestão básica deve ilustrar -, o que é facto é que muito destes erros básicos têm vindo a alastrar por significativa parte do sector eléctrico SADC, mas não certamente porque haja falta de qualificações académicas dos seus gestores.

 

Por isso mesmo, julgo que teria sido talvez mais interessante que, com igual candura, Mr. Brian Dames - que desde 2004 fez parte da Comissão Executiva da Eskom antes mesmo de ter ascendido à sua presidência em Julho 2010 -, se tivesse debruçado também sobre as causas que levaram a sua empresa a enveredar por padrões de gestão tão questionáveis - como por exemplo: os ímpetos suicidários de privatização durante a transição do milénio, a permeabilidade adjudicatária de equipamentos e carvão face a vorazes lobbies políticos, a falta de coesão e coerência estratégica no topo das sucessivas gestões, as indefinições e contradições do Estado sul-africano (o dono da Eskom) quanto à estratégia de tarifas eléctricas e de financiamento de investimentos, os erros na previsão da demanda, a displicência e o aventureirismo financeiro na relação contratual com alumineiras e outras fundições, e o menosprezo pela manutenção e formação de recursos, para citar apenas alguns.

 

Incidentalmente, o CEO da Eskom termina o seu artigo com um apelo veemente: a curto prazo, a RSA deverá adoptar medidas que permitam capitalizar os recursos e indústrias que recentemente têm vindo a ser desenvolvidos, para que eles não se percam após a construção do actual portfolio de investimentos.

 

Embora este apelo volte a não primar pela originalidade, parece-me importante situá-lo no quadro indiciário dos próximos investimentos da Eskom, para dele poder inferir implicações nas políticas eléctricas de Moçambique – e mesmo do Botswana, que também tem sido engodado por miragens de exportação eléctrica para a África do Sul.

 

Comece-se por recordar que, dias depois da publicação do seu artigo de opinião, o CEO Eskom manifestou o seu esfusiante apoio à resolução do governo sul-africano apontando para a construção de uma terceira mega-central a carvão (projecto Coal 3 na zona Waterberg/Limpopo), numa ocasião em que voltou a sublinhar que se tratava de uma aposta em linha com as lições recentemente aprendidas pela Eskom; por outro lado, importa também notar que, após ter substituído a Ministra da Energia por Ben Martins, em Julho 2013 o presidente sul-africano Jacob Zuma decidiu assumir a direcção do programa de desenvolvimento electro-nuclear (100 biliões USD) com o propósito de acelerar o procurement até então gerido pelo vice-presidente Kgalema Motlanthe.

 

Ora, se no caldeirão Eskom, se somar este punhado de Gigawatts nucleares e carboníferos ao investimento substancial em parques eólicos e solares, às entusiásticas iniciativas de produção eléctrica com base no gás natural de Angola e Moçambique (e mesmo a partir dos depósitos de gás de xisto do Karoo - shale gas como putativo game-changer), e ainda mais a uma demanda eléctrica Eskom que desacelera, o que tudo isto me sugere é que, à excepção de Cahora Bassa Norte (apoiada no reforço do actual sistema HVDC Songo-Apolo), são diminutas, para não dizer nulas, quaisquer hipóteses de exportação hidro-eléctrica a partir de Mphanda Nkuwa e da sua associada transmissão Cesul – não só porque a Eskom não mais necessitará de importar carga-base e/ou mid-merit, mas também porque – e não menos importante - em termos geopolíticos, as autoridades sul-africanas, angolanas e congolesas (RDC) têm vindo a empenhar-se na construção de um terceiro eixo estratégico multiforme no lado oeste da África austral (defesa, energia, oceano Atlântico) que, na sua vertente eléctrica, começará com a importação sul-africana de 2500 MW do Inga (Rio Congo) através de Angola (Westcor).

 

Embora eu desconheça o teor das mensagens privadas que a alto nível a Eskom tem vindo a trocar com Moçambique a respeito de Mphanda Nkuwa e Cesul, o que eu sei é que há mais de dez anos que, sem sucesso, a Electricidade de Moçambique e seus ministérios de tutela têm insistido em colocar estes dois extemporâneos empreendimentos no topo da sua agenda de investimentos, sob pretexto de mega-exportações para a África do Sul.

 

Sucede que, para além da enormidade de tempo e dinheiro já desperdiçados em estudos e marketing, estes jogos de sombras mostram-se insuportavelmente nefastos uma vez que têm perturbado gravemente o desenvolvimento de programas eléctricos (renováveis, gás e carvão) assentes em gerações estrategicamente distribuídas pelo país, como alternativa à perigosa aposta concentracionista em poucos quilómetros de um Rio Zambeze em fase de alterações hidrológicas imprevisíveis.

 

Daí que eu me permita referir que há uma lição que a Eskom parece ainda não ter aprendido: entre empresas estatais, não deverá haver lugar a bluffs e permeabilidades predadoras quando está em jogo a construção de sistemas interligados, sob pena de se desvirtuar não só a essência de uma cooperação regional que se quer sadia, mas sobretudo a arquitectura de países que, tal como Moçambique e Botswana, não se podem permitir erros infra-estruturais calamitosos na edificação dos seus futuros eléctricos.

 

Por isso mesmo, eu desejo ardentemente que, aquando da próxima iteração IRP 2014, a Eskom candidamente esclareça, de uma vez por todas, os seus propósitos quanto à central de Mphanda Nkuwa e seu sistema de transmissão associado (CESUL), não só à EDM e GdM, mas sobretudo aos cidadãos de Moçambique

 

Sir Brian, give me a break please!

 

 

josé lopes

 

setembro 25, 2013

 

 

 

1 - Embora nos últimos meses a Eskom e a Nampower tenham contratado pequenas parcelas de electricidade a partir de uma central a gás de iniciativa privada localizada em Ressano Garcia, estes arranjos são temporários (2 anos) e visam apenas colmatar o atraso Eskom na entrada em serviço das novas centrais de Medupi e Kusile e o retorno ao serviço da central Grootvlei.

 

 

Text Box: Base numérica por Leo Reynolds
Text Box: baú xitizap (mar 2003/jun 2010)

 

posfácios:

 

 

A - O erro da Eskom (out 2010)

 

 

B - Mozal - fuma$$as em bypass (mar 2011)

                          … ainda em trabalhos

 

 

C -  Electrões aos ZigZags (abril 2011)

 

 

D- Mistérios na barragem Mphanda Nkuwa (junho 2011)

 

 

E -  Tete, Moatize, Cateme e a Vale  (jan 2012)

 

 

F - o Bom, o Mau e o Feio (mar 2012)

 

 

Titanopólio (junho 2012)

 

 

Energy and Mining Corridors 2020 ( jun 2012)

 

 

G - Quo vadis EDM? (fev 2013)

 

 

 

H - A EDM, o Banco Central e a baixa de Maputo

 

(maio 2013)

 

 

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Corredores Mineiro– Energéticos 2020

 

impactos do Afro—Índico no Canal de Moçambique

 

Jun 2013

 

 

xitizap - posfácio I

 

setembro 25, 2013