Text Box: baú xitizap (mar 2003/jun 2010)

 

 

 

Electrões aos zigzags

 

A segunda observação que o sul-africano IRP 2010-30 me induz

diz respeito ao design e timing de futuras transmissões eléctricas em Moçambique.

 

Comece-se por datar o zigzag das autoridades:

 

(1) até 2005 admitia-se que a evacuação de electricidade de Tete para Maputo (aprox. 1500 km) poderia ser feita através de uma única linha a 400 kV AC (corrente alternada); em 2006 passou-se a promover (2) duas linhas 400 kV AC (circuitos simples) para, em 2009, se ficcionar (3) um luxuoso evacuador híbrido DC/AC (bipolo de corrente contínua ± 600 kV HVDC mais uma linha 765 kV HVAC); mais recentemente, as mesmíssimas autoridades (Governo e EDM) terão concluído que (4) a ambicionada “espinha eléctrica dorsal” Tete-Maputo deveria era fazer-se por recurso a um bipolo ± 800 kV UHVDC e uma linha 400 kV AC espalhando inúteis subestações ao longo da marginal Sul (projecto CESUL).

 

Tente-se agora imaginar o que poderá estar detrás de tanta baralhada.

 

Descontando vulgares teimosias e obstinadas subserviências, só vislumbro duas hipóteses de “razão”.

 

A primeira tem a ver com as distorções que têm imbuído a previsão da demanda eléctrica (exportações e mercado Sul) levando a que, via pura prestidigitação, as miragens tivessem inflado de 1500 para 9200 MW em menos de cinco anos.

 

A segunda razão que recentemente passou a ser invocada deriva de um paradoxo ultra-nacionalista; de facto, e em flagrante choque com os mirabolantes apetites exportadores (e com as saudáveis aspirações a um mercado eléctrico que se quer regionalmente interligado e aberto), de súbito, a electrocracia começou a deixar cair paranóicas insinuações quanto ao perigo de o Sul de Moçambique ser abastecido via África do Sul a partir de Cahora Bassa - uma dependência técnica que, note-se, desde há muito permite que a EDM beneficie de uma oferta eléctrica do mais baixo custo e com um elevado grau de fiabilidade.

 

Embora eu discorde radicalmente quer destes extremismos securitários quer das inconsistentes projecções oficiais de demandas eléctricas (exportações e consumo Sul), por um instante admiti a ficção 9200 MW Tete-Maputo (1500 km) e rapidamente constatei preocupantes debilidades nas soluções CESUL ora propostas.

 

Comece-se por notar que se algum papão securitário de facto existe, então, meus caros, eu considero que as rotas CESUL agora propostas para o principal suporte do hipotético evacuador eléctrico (± 800 kV DC) não só não respondem a quesitos básicos de uma nova segurança eléctrica nacional, como até agravam a actual exposição a vários riscos – duplicando-os exactamente nas zonas onde, historicamente, se sabe que eles (os tais múltiplos riscos) por ali já se expuseram (ver Fig 1). Cite-se por exemplo a HCB (Hidroeléctrica de Cahora Bassa):

 

2.5 - Linhas de Transmissão

Na cadeia de transmissão de energia eléctrica, as linhas de transporte desempenham um papel fundamental, podendo constituir um nó de estrangulamento, como veio a verificar-se durante o conflito armado com o derrube de torres e durante as cheias de 2000 com a queda de outras tantas.

 

xitizap

 

posfácio C

 

abril 2011

xitizap-posfácio C

elektro diplomacias

barragem por um canudo

Moatize flashes

 

North East – Agra (multi-terminals)

UHVDC ±800 kV

 

The ±800 kV North-East Agra UHVDC link will have a record 8,000 MW converter capacity, including a 2,000 MW redundancy, to transmit clean hydroelectric power from the North-East region of India to the city of Agra across a distance of 1,728 kilometers.

ABB has been selected by Powergrid Corporation of India Ltd. to deliver the world’s first multi-terminal UHVDC transmission link, worth $ 900 million. The link is called the ±800 kV, 6,000 MW HVDC Multi Terminal NER/ER - NR/WR Interconnector – I Project (NEA800 in short and also known as North East - Agra HVDC). The link comprises four terminals located at three converter stations with a 33% continuous overload rating and the power transmission system will thus have the possibility to convert 8,000 MW – which is the largest HVDC transmission ever built.

 

The Xiangjiaba-Shanghai 800kV UHVDC project

Status and special aspects (CIGRE 2010)

 

V. F. Lescale, U. Åström

ABB AB Sweden

 

W. Ma, Z. Liu

State Grid Corporation of China

P. R. China

 

External Insulation Design of Converter Stations for Xiangjiaba-Shanghai ±800 kV UHVDC Project

 

Dong Wu, Urban Åström, Gunnar Flisberg, Zehong Liu, Liying Gao, Weimin Ma, Zhiyi Su

 

Paper published on 2010 International Conference on Power System Technology, 24-28 Oct. 2010, Hangzhou, China


Entretanto, prossigo com este conjunto de observações IRP 2010 sugerindo uma breve digressão tecnológica já que, num curto espaço de tempo, uma infra-estrutura oficialmente tida como vital, foi sujeita, não apenas a desprestigiantes zigzags voltaicos (400, 600, 765, 800 kV AC/DC) mas sobretudo a voluntarismos que, naturalmente, descambam sempre em arrivismo técnico.

 

Tome-se como exemplo uma recente adopção dos 765 kV AC (corrente alternada) como suporte do hipotético evacuador eléctrico Tete-Maputo: uma tecnologia de ponta que, no pouco mundo em que existe, ainda não foi sequer sujeita a todos os testes de stress quanto mais às especificidades de um Moçambique 2011 (variações de clima ao longo do trajecto e vazio de demanda nas subestações 765 kV). Sem esquecer também que, feliz ou infelizmente, este mundo tecnológico HV AC/DC ainda não é um bazar global onde, de um dia para o outro, se compram gadgets quando se quer particularmente quando a China, Índia e o Japão pós-sismo precisam deles como de arroz para a boca.

 

Ainda neste tropel tecnológico, também é surpreendente constatar que, de uma completa ausência conceptual HVDC (corrente contínua) no ideal anterior, os electrocratas têm agora o despudor de sugerir um sistema UHVDC (Ultra High Voltage Direct Current ± 800 kV) – digamos que, para quem começou por não admitir transmissões via corrente contínua, tal como há anos tenho vindo a sugerir como hipótese académica, é engraçado que agora não queiram fazer a CESUL por menos de um novo-riquismo UHVDC.

 

Mas, lamentavelmente, a coisa torna-se-me particularmente desconfortável porque dá a entender que os autores desta nova ficção electrocrata fazem pouca ideia do actual estágio da propagação comercial dos sistemas UHVDC ± 800 kV – uma tecnologia que, apenas saída da fase R&D, só agora começa a florescer na China (2010) e Índia (2014/15).

 

Finalmente, e como eu quero que nada lhes falte, aqui deixo uns links sobre a matéria (actuais projectos na Índia e China). E espero bem que os leiam porque, a prazo, talvez eles se disponham a constatar que as soluções multi-terminal HVDC são um dos prováveis futuros em Moçambique (Fig 2).

 

josé lopes  :)

 

abril 2011

 

ps — neste processo poupo 1 bilião USD à República